Quase quatro anos depois de ter escrito um dos primeiros posts deste blog (e o mais lido de sempre), sobre gravidez não evolutiva, continuo a receber comentários (e e-mails) de muitas mulheres que passaram ou estão a passar por essa situação. Neste momento, esse é talvez um dos únicos motivos que me faz manter este blog: poder ajudar, através da minha experiência, outras mulheres que estão a passar por um aborto retido (como eu passei e contei aqui). Porque, de resto, a verdade é que não tenho mais motivos para manter este blog pois nunca lhe dediquei sequer tempo suficiente. Porquê?
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Na Índia, o sofrimento é visível a cada virar de esquina. Não é como cá, que está camuflado. Ou por outra: na Índia nós – os de cá -, sofremos a cada virar de esquina com aquilo que vemos. O que não quer necessariamente dizer que do outro lado haja sofrimento. Mas nós sofremos… Começa com os animais pelas rua. Nós não estamos habituados a ver animais nas ruas. Animais que comem no lixo, que se deitam no meio da estrada a dormir um sono profundo, sujos, com pulgas e carraças, alguns com sarna. Passa, depois, pelas pessoas que dormem na rua, que estão sujas, de cabelos emaranhados, crianças com bebés ao colo, que pedem. Não são pobres, aos nossos olhos são miseráveis. Nós não estamos habituados a ver gente assim pelas ruas.
Na Índia aprendi que a noite é para dormir e o dia é para estarmos activos. Que não há melhor do que respeitar o ritmo da natureza, adaptar ao Inverno e ao Verão e ter um horário diário que comece com o nascer do dia e termine com o pôr do sol. Claro que já sabia tudo isto, toda a gente ouve desde pequenino dizer que “deitar cedo e cedo erguer, dá saúde e faz crescer”, certo? É do senso comum o quão é importante acompanharmos o ritmo da natureza. Mas daí até SABER mesmo a sério… Durante a maior parte da minha vida adulta, a minha hora de acordar foi sempre definida consoante as actividades do dia seguinte. Ou seja, se tinha de trabalhar às 9:00, por exemplo, punha o despertador para as 7:00 (15 minutos para sair da cama, 1 hora para banho, vestir e pequeno-almoço e 15 minutos para deslocações). E lá ia eu, sempre a correr, às vezes sem tempo para fazer a cama ou lavar a louça do pequeno-almoço antes de sair de casa, por estar atrasada.
No Ashram da Amma – que, para quem não sabe, é uma espécie de mosteiro (Ashram) de uma guru Indiana (a Amma) que dá abraços -, alguns dos quartos não têm espelhos. E os que têm, têm apenas um pequeno espelho de rosto. Num Ashram valoriza-se a vida interior – espiritual – e não o exterior. As roupas são simples e modestas. Dizem no Ashram que a Amma nos “dá” aquilo que mais precisamos de receber. O que significará, então, ficar num quarto sem espelhos…?!
Há já algum tempo que esta série de posts fervilha na minha cabeça. A Índia ensina-nos tanto…! E é tão difícil digerir tudo, como é inevitável que essa digestão, lenta, acabe por se fazer, mais tarde ou mais cedo. A Índia é um murro no estômago – especialmente se andarmos distraídos com a nossa vidinha. É por isso que a Índia é conhecida por nos provocar diarreia, acho: limpa-nos, por dentro e por fora. A Índia nunca se revela toda, há sempre mais e mais… Quando achamos que já sabemos tudo, zás! É tantas vezes subtil, quantas tem a mão pesada. A Índia leva-nos simultaneamente – às vezes em questões de segundos – ao inferno e ao céu. E à exaustão… Dá-nos e tira-nos tudo em instantes. É doce e é amarga. É negra e é colorida. Tem tanto de bela como de horrível. A Índia dói, dói muito. Muitas vezes. Vezes de mais. Mas é quem também nos abraça com um sorriso aberto, outras tantas vezes.
Estamos a todo o momento a tempo de começar de novo e um novo ano pode ser mais um incentivo. Eu, tendencialmente, não gosto de resoluções de ano novo, mas este ano senti que fazia sentido, nestes primeiros dias do ano, reflectir sobre as minhas intenções para 2018. O destino já estava definido – trabalhar para uma vida mais ética, consciente e compassiva -, mas os meus grandes desafios foram ficando cada vez mais e mais claros. Se houvesse um tema anual para cada pessoa, o meu deste ano seria sem dúvida “o ano de cultivar a consciência”. Tem-se tornado cada vez mais evidente a importância de trabalhar para estar lúcida em cada acção. Claro que 1 ano não bastará – nem um bilião -, é um trabalho contínuo, que já foi iniciado, mas que precisa de muita continuidade e de força e perseverança.