Na Índia, o sofrimento é visível a cada virar de esquina. Não é como cá, que está camuflado. Ou por outra: na Índia nós – os de cá -, sofremos a cada virar de esquina com aquilo que vemos. O que não quer necessariamente dizer que do outro lado haja sofrimento. Mas nós sofremos… Começa com os animais pelas rua. Nós não estamos habituados a ver animais nas ruas. Animais que comem no lixo, que se deitam no meio da estrada a dormir um sono profundo, sujos, com pulgas e carraças, alguns com sarna. Passa, depois, pelas pessoas que dormem na rua, que estão sujas, de cabelos emaranhados, crianças com bebés ao colo, que pedem. Não são pobres, aos nossos olhos são miseráveis. Nós não estamos habituados a ver gente assim pelas ruas.
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- O que a Índia nos ensina
Paciência. A Índia ensina-nos a ser pacientes. Ninguém sobrevive num país com 1.225 biliões de pessoas sem paciência. Ou por outra, sobrevive, sim, tal como nós sobrevivemos aqui, nos ditos países desenvolvidos. Mas não vive, realmente. Na Índia, é natural que uma viagem rotineira demore 5, 6, 10, 12 horas. E é banal ir numa viagem de camioneta com essa duração para regressar no mesmo dia, durante a noite. E se for preciso, com um bebé ao colo. Ou dois, até.
Na Índia aprendi que a noite é para dormir e o dia é para estarmos activos. Que não há melhor do que respeitar o ritmo da natureza, adaptar ao Inverno e ao Verão e ter um horário diário que comece com o nascer do dia e termine com o pôr do sol. Claro que já sabia tudo isto, toda a gente ouve desde pequenino dizer que “deitar cedo e cedo erguer, dá saúde e faz crescer”, certo? É do senso comum o quão é importante acompanharmos o ritmo da natureza. Mas daí até SABER mesmo a sério… Durante a maior parte da minha vida adulta, a minha hora de acordar foi sempre definida consoante as actividades do dia seguinte. Ou seja, se tinha de trabalhar às 9:00, por exemplo, punha o despertador para as 7:00 (15 minutos para sair da cama, 1 hora para banho, vestir e pequeno-almoço e 15 minutos para deslocações). E lá ia eu, sempre a correr, às vezes sem tempo para fazer a cama ou lavar a louça do pequeno-almoço antes de sair de casa, por estar atrasada.
Tal como partilhei aqui no início de 2018, uma das minhas metas para este ano foi deixar por completo os poucos (achava eu) produtos de origem animal que ainda consumia. Desses produtos, faziam parte, acreditava eu, apenas queijo e ovos biológicos. Só que não. Para além de ingerir também alguns produtos de origem animal, sem pensar, escondidos em comidas não feitas por mim – natas, leite, manteiga e ovos não biológicos –, ainda existe todo um mundo de aditivos de origem animal, alguns deles – pasmem-se – usados em produtos de origem vegetal. Mas já lá vamos.
No Ashram da Amma – que, para quem não sabe, é uma espécie de mosteiro (Ashram) de uma guru Indiana (a Amma) que dá abraços -, alguns dos quartos não têm espelhos. E os que têm, têm apenas um pequeno espelho de rosto. Num Ashram valoriza-se a vida interior – espiritual – e não o exterior. As roupas são simples e modestas. Dizem no Ashram que a Amma nos “dá” aquilo que mais precisamos de receber. O que significará, então, ficar num quarto sem espelhos…?!
Há já algum tempo que esta série de posts fervilha na minha cabeça. A Índia ensina-nos tanto…! E é tão difícil digerir tudo, como é inevitável que essa digestão, lenta, acabe por se fazer, mais tarde ou mais cedo. A Índia é um murro no estômago – especialmente se andarmos distraídos com a nossa vidinha. É por isso que a Índia é conhecida por nos provocar diarreia, acho: limpa-nos, por dentro e por fora. A Índia nunca se revela toda, há sempre mais e mais… Quando achamos que já sabemos tudo, zás! É tantas vezes subtil, quantas tem a mão pesada. A Índia leva-nos simultaneamente – às vezes em questões de segundos – ao inferno e ao céu. E à exaustão… Dá-nos e tira-nos tudo em instantes. É doce e é amarga. É negra e é colorida. Tem tanto de bela como de horrível. A Índia dói, dói muito. Muitas vezes. Vezes de mais. Mas é quem também nos abraça com um sorriso aberto, outras tantas vezes.